Alguns
minutos antes, a artista que se apresentava chama-me para me cumprimentar e
confessar que me incluía neste dia de celebração (15 anos de carreira) como uma
referência de inspiração e impulso à sua vida artística.
Estranha
e generosa simpatia, esta sua permissão à minha entrada no seu ritual de
preparação para um concerto, que qualquer artista vive, tanto mais que na era
das concentrações “metabólicas” antes de actuar, muitos entram em alfa uma
semana antes e duram dias a seguir aos concertos, numa espécie de paragem do
tempo, que esquecemos de pôr a contar de novo…
Primeira lição aprendida, é o
que vos revelo para já.
Segunda
lição. O evento teve direito a discursos, pela particularidade de encerrar a
exposição de Cristina Rodrigues no Museu
Nacional de Arqueologia e por entre muitas coisas pretender simplesmente
celebrar a portugalidade, a etnografia, a nossa cultura com verdade e talento.
Os discursos, que têm por habitual condão arrepiarem-nos os ponteiros do
relógio e as bordas da paciência, foram os primeiros a dar o mote principal:
falar o necessário, reconhecer o valor
da intenção de fazer algo de valor e, ineditamente, abrir a atmosfera a um
momento cuja comoção começou ali. Tudo porque os “discursantes” tiveram o dom
de, ao invés de se ofuscarem mutuamente, como já muitas vezes assisti, irem
abrindo as portas uns aos outros, com simplicidade, reconhecimento,
generosidade e consciência do objectivo que serviam naquele momento. Muito
bonito.
E o
concerto arranca, explosivo, pronto, inteiro e revitalizante, e para mim, que
nesses momentos me esqueço da unidade enquanto artista e me torno parte de cada
segundo do que se passa no palco, tornou-se uma viagem que agradecerei por
muito tempo. E que, retribuindo o cumprimento de quem me quis cumprimentar a
poucos minutos de arrancar o seu espetáculo, talvez seja a razão de hoje
regressar à escrita e a esta partilha.
Isto
porque certos momentos nos devolvem a urgência do que conta. Do que realmente
conta. No meu percurso tenho assistido à conversa de bastidores que
invariavelmente nos fala de certos fenómenos serem fruto das máquinas, dos
marketings, dos lobbys, dos bobbyes, e de coisas que não devo escrever. A mim,
perguntam vezes sem conta se acho que tenho tido o apoio que mereço e se tenho
o reconhecimento que devia e quando vivo estes momentos condensados de Verdade
percebo que o verdadeiro poder não vem do que convenientemente queremos pensar
e comodamente usamos até de expiador para a nossas não concretizações. E vamos
à terceira lição...
A
sala onde estive era tudo menos uma sala de espectáculos tradicional e “com
cachet”. Estava cheia. A abarrotar. Com pessoas de pé e nem uma se queixou. Os
fotógrafos que vi seriam com certeza profissionais mais por conta própria do
que de revistas sem razão própria. O apoio que pude perceber, da rádio de
sempre, para a música portuguesa, (Antena 1 e o seu Edgar Canelas) não serão
dos tais que se perdem em perguntas: “mas a menina é mesmo fadista? Ou é o
quê?”, ou “fadista colorida” como confessava a própria Ana Laíns, que por agora
já devem ter percebido ser a artista que fui ver. E que se confessava irremediavelmente
demasiado faladora e com o coração na boca. E graças a Deus, ou a ela, assim é.
Para
quem quisesse aprender a cartilha de como criar uma carreira, um nome, um
público, uma Luz própria sem entrar nos meandros do poder, este era o dia. A
fidelidade do público a cada nota, a cada arranjo, a cada músico
(impecavelmente preparado e entregue), a cada palavra, conquista-se, sem
duvida. Mas também nalgum momento o publico teve de ir ao encontro e
militantemente acompanhar. Deve ser o que chamam de cumplicidade e arrepia assitir.
E
esta lição que recebi e tanto agradeço não serve apenas para reconhecer esta
incrível artista que só agora descubro mais profundamente e por isso me
confesso - confio que este reconhecimento não te irá, Ana, tornar alvo de nada
que não tenhas já a estrutura para te protegeres e seguires Livre e Feliz, como
dizias;-).
Serve
para eu própria regressar a uma Verdade que permiti que o cansaço e a
contaminação do meio influenciassem – a voz transforma-se com os anos, mas a
Alma pode crescer e é essa mistura que fará a Identidade com o publico se
identifica.
Serve
para insistir na visão que tenho do que tenho para dar, do quero fazer e do que
é possível fazer, porque é mesmo possível fazer-se tudo – querendo...
E
serve, finalmente e muito mais importante, para nos desafiar a mudarmos HOJE
,
agora e para sempre a nossa educação cultural, a nossa atitude na nossa
sociedade e o nosso dever para com a nossa existência que nos tornará
merecedores cada vez mais dos melhores direitos:
ASSISTIR
A “MÚSICA VIVA” CADA VEZ MAIS (não se iludam, nenhum youtube, arte pirateada ou
mesmo comprada ou meio de divulgação alcança a realidade e energia do VIVO);
ENCHER
OS TEATROS, AUDITÓRIOS E QUALQUER LUGAR QUE TENHA A CORAGEM DE APRESENTAR ARTE
AO VIVO;
LEVAR
A FAMILIA, AMIGOS, AMANTES, RECÉM-CONHECIDOS, DESCONHECIDOS, TODOS, A ASSISTIR A EVENTOS CULTURAIS DIVERSOS;
ABRIRMOS-NOS
ÀS NOVIDADES SEM PRECONCEITOS OU MEDOS;
SERMOS
ACTIVOS NA CRITICA REAL E CONSTRUCTIVA PARA QUE A ARTE PORTUGUESA POSSA CRESCER
E EVOLUIR;
SABER
QUE O PODER DE DIVULGAR A ARTE E DELA DISFRUTAR É NOSSO E NÃO DAS ESTRUTURAS;
AMAR
A ALMA QUE TEMOS E CELEBRA-LA NA SUA DIGNIDADE, RIQUEZA E PLENITUDE.
Vamos?!
Lindo o seu texto, Mafalda. Também lá estive ontem e conheço os palcos e sinto cada palavra sua como força. A Ana enriquece-nos a vida.
ResponderEliminarObrigada, Pedro, pelas palavras. Apenas "transbordei" o que recebi… E acredito que é reforçando estes valores que vamos criando outra visão do nosso orgulho nacional.
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