Acredito piamente no efeito
alucinante de uma cascata de ideias... Lembro-me em particular de uma querida
colega de veterinária que esperava pacientemente que eu regressasse à realidade
para perceber que a havia perdido nos meandros das cinco histórias que tinha
conseguido envolver na partilha de uma só.
É o caso, neste momento mas se alguém se perder que volte sempre, sempre ao vídeo, que será o cerne deste post.
E, em ultima análise, a prova de que existem "portos de abrigo",
lugares sublimes como o universo que estas vozes despertam em mim, onde a única
coisa que conta é respirar e deixar tudo parar. Menos a Alma...
Esta história faz-me regressar a uma
das experiências mais incríveis que vivi neste mundo artístico e, que, ao levar
a extremos o sigilo profissional e o enredar da vida, acabei não partilhando. E
seria uma pena...
Recebi há alguns anos um convite do
Cirque do Solei para participar no casting de um concerto em criação, na
altura, onde a cantora seria a figura protagonista, representando uma figura em
tudo próxima dos arquétipos da Deusa, Mãe, Mulher, Guerreira. Como devem
imaginar, esta história não trata de “Como deixei o Fado e me tornei artista de
um dos maiores espetáculos de sempre da Humanidade”, ou não estaria neste
momento a escrever este blog:-)
A parte simples é claramente revelar
que por diversos motivos e porque tudo é como tem de ser, tal não aconteceu.
Mas sempre que vir “Amaluna” (assim se chama esta produção, já em estrada) vou
poder fantasiar com a outra vida que teria nascido para mim.
A parte Imensa do que vos posso
contar da experiência envolve universos que acredito qualquer pessoa (em
especial um artista) deveria ter oportunidade de conhecer. Desde a forma
profissional e assertiva com que os contactos são feitos, à fluidez do discursos,
à rapidez das decisões à absoluta sensibilidade para o que há de Verdade num
artista, são detalhes que nos ensinam uma dinâmica que, infelizmente, ainda nos
é algo longínqua... A verdade é que acabei selecionada, com mais duas artistas
internacionais, para ir ao Canadá, fazer o casting decisivo. No mundo das
“divas do fado”, como tantas vezes gostam de chamar aos ciclos de concertos por
esse mundo fora, não deixa de ser delicioso imaginar uma “diva circense”... e
como sei que não fui a única contactada ainda hoje tenho um prazer pessoal em
imaginar algumas pessoas a receberem este convite:-)
A primeira experiência
transformadora são as residências de artistas. Onde, diga-se, teria a liberdade
de levar família (filhos, mãe, marido...), recebendo para tal o apoio integral
da “família” Cirque do Solei, que iria desde escolas a seguros de saúde e
despesas de manutenção, a laços que percebi serem de “Outro Mundo”, como o são
as pessoas que aí se encontram. Mas falemos das residências. A entrada no mundo
romântico que se adivinha esclarece-se em 25m2. Onde temos a sala, o quarto, a
“cozinet” (que dizer? Porque não é kitchnet, mas cozinha também não...), o
roupeiro, e a porta do wc, que em vista da área, é gigante e ocupa tanto espaço...
E enquanto o meu coração romântico e
aventureiro se apertava em desconforto (sabe-me bem a casa que conquistei,
ainda que agora a tenha que imaginar por fatias...), a alma agigantava-se em
vergonha. E transformação. Talvez eu não fosse capaz de abdicar da banheira da
suite e de descansar a monotonia por entre um mínimo de 3 quartos, mas aquele
era o Palácio dos Seres Sublimes que admirava e que descobri em Quidam, Corteo,
Alegria e mais um par de espetáculos que vi.
E então percebi que até à data tinha
vivido no Oásis da Arte. Onde se chega espontaneamente por causa de uma praxe
académica, onde se começa uma carreira no palco de outro grande artista, onde
se fazem duetos por sermos símbolos de uma geração. Mas aqueles quartos, onde
descansam os fazedores da Magia, albergam gente simples que depois de horas de
práctica, descansam dedos partidos, músculos mordidos, fracassos limitados a um
mínimo restritíssimo e refazem a concentração no que importa, no que conta, nos
que os faz respirar: o momento de serem o culminar de anos de trabalho árduo, de
dedicação absoluta, de escolhas cruéis, de romper com raízes e laços. Dia, após
dia, após dia, após dia.
Mais propriamente dito, dia após
dia, durante seis semanas, tarde e noite. Parando depois duas semanas. E depois
voltando, dia após dia, durante seis semanas, tarde e noite. A residência era
pequena?! Pois a agenda era graaaaaaaande!!!!!! E a pergunta “se consigo?!”
ainda maior. E a solidão em Montreal, mesmo para uma “diva” de espírito forte,
pesada...
Antes do casting, algumas palavras
para todo o edifício, a cantina, a fábrica de cenários, tecido e adereços, as
fábricas de ideias (“laboratórios” de tudo: acrobacias, palhaçadas, make-up,
canto, TUDO!), os imensos escritórios e uma peça inesquecível: uma pirâmide de
vidro para recolher água das chuvas e ser integrada em todo o circuito, usadas
das mais diversas formas, num hino à sustentabilidade, mas sem a novidade que
para nós ainda representa separar lixo e reciclar. Antigo, muito antigo, como
se a harmonia com as Fontes e os Elementos fosse a pré-primária de uma escola
especial por onde se filtra cada ser que ainda vem intoxicado de centros
comerciais, fast-food ou qualquer outro tipo manipulador de consciência.
E finalmente o casting! Regressei a
um estado ridiculamente tranquilo, que tinha quando era muito jovem e não sabia
bem ao que ia, num exame, numa prova, e por isso mesmo achava a angustia da
antecipação um perfeito desperdício. E essa tranquilidade permitiu-me saborear
cada momento. Cantei os temas pedidos para o espetáculos, os meus temas, toquei
guitarra (!) e cantei, algo que há anos não tinha coragem de fazer e finalmente
pedem-me que represente, que me expresse, perguntando-me se tinha alguma
formação em teatro. Além das “peças da catequese e da escola, não...”. Nem
falei das peças que fazia com os primos de Ponte-de-Lima, pois percebi que há
limites para o Encantamento que se viveu naquela sala. Percebi também que me
sabiam “estrangeira” àquele mundo, de humildes e brilhantes artistas e
pirâmides de água na genética. Mas nunca, em tantos anos de estrada e encontros
e descobertas, vi olhares tão brilhantes, tão inspiradores, tão genuinamente
interessados e tão claramente verdadeiros. Não era dali, mas era de um mundo
muito meu, do meu próprio Circo e, num lugar conhecido pela formação
extraordinária aos seus músicos, cantores e artistas em geral, como é o Canadá,
sei que ficaram a pensar que lugar seria este, Portugal, onde se ensina a ter
Alma...
O vídeo, do principio?! Perguntam
vocês...
Tal como nas histórias que conto,
também os meus momentos são feitos de infinitos momentos cruzados e enquanto
tudo o que vos contei acontecia, outros mundos meus aconteciam também. Quem
sabe será neste blog que venho ao fim de alguns anos revelar o que tanta
revista e entrevista vem tentando saber:-) (não me parece). Mas quando vejo outras pessoas
partilharem coisas tão tremendas, na simplicidade e na generosidade de
partilhar histórias tão pessoais com o simples propósito de ajudar a quem quer
que possam servir, percebo que as fronteiras da minha privacidade não precisam
de tantos muros. E que é possível mantê-la, no espírito de preservação de quem
comigo convive, mas partilhar o suficiente para que faça sentido tudo o que
faço, canto, conto, revelo. E para que se perceba que tudo é igual ao comum dos mortais …
Tudo para explicar que na residência
que foi minha por 5 dias, consegui experimentar algo do que leva os artistas do
Cirque a saberem-se em “Casa”. Durante a viagem, e talvez pela viagem, assisti
à “derrocada” (mais uma) da relação que vivia, na altura, e a cada dia a
residência parecia menor. E a solidão em Montreal esmagadoramente maior... até
que percebi que era a mesma que muitas vezes vivia em Portugal. Em Lisboa. E
afinal, até em casa, na suite, na banheira ou nos 3 quartos, não importa.
E percebi também que, como cá, todas
as derrocadas têm encostas por onde trepar... palmilhei Montreal horas a fio
até me cruzar com este filme, “Les Choristes”. E em poucos minutos de mergulhar
no meu Mundo, que se revela sempre que descubro algo que me inspira, arrepia,
toca, encanta, emociona, acrescenta, como este filme, descobri que já estava a
regressar a “Casa”. Dentro. E que tinha estado sempre comigo.
Sair do conforto a que estamos
habituados, da realidade que nos habituamos a viver e carpir, por necessidade
ou puro vício, do caminho que vamos construindo e acaba seja porque motivo for,
pode trazer uma derrocada.
Mas, abençoadas subidas.
Nelas, vêm-se acontecer milagres.
Porque não há Milagre maior do que
regressar a Casa… E saber que estamos sempre lá.
Obrigada pela sua partilha. Gostei imenso!!
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